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Assim, aqui reunimos uma coletânea de artigos e publicações já circulados em veículos jornalísticos ou inéditos.

Boa leitura!

Publicações  /  O Papel do Estado
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O Papel do Estado Frente à Legislação Ambiental

• Por: Rosecler Segura de Campos

 

 

          É de se estranhar que a composição de tal texto venha à tona contrapondo-se ao movimento ambientalista onde a tendência da legislação ambiental encontra-se cada vez mais distante das convencionais legislativas, seus tramites, suas origens, seu processos... O arcabouço jurídico brasileiro fundamentado na legislação romana, possuindo em seu cerne a positivação, o direito posto, minucioso, em estilo rococó, rebuscado, detalhista, uma virgula faz a diferença.        Já a legislação ambiental imbuída de princípios e características próprias, afasta-se cada vez mais daquilo que poderíamos chamar de “controle” do direito. Enxurradas de textos legislativos descambam sobre nossas cabeças, originando verdadeira celeuma jurídica no que tange principalmente a matéria de competência legislativa: o que vigora a lei federal, estadual ou municipal? Em  crime ambiental a pessoa jurídica é punida, é possível prender uma empresa? E que vantagem Maria leva com a prisão de seus diretores, gerentes? Justiça, castigo, vingança! Coerência, solução, eis a questão! O direito existe, mas a ordem deve prevalecer!  

 

          O cidadão, a empresa, a sociedade se vê as voltas sem saber por onde seguir em meio a tal confusão. O legal tornou-se um amontoado de papéis.

 

          O crime ambiental pode deixar de ser crime se houver uma “autorização”. Quiçá papéis e mais papéis podem assegurar a legalidade de determinado ato lesivo ao ambiente. Toda a base do Direito Penal cai por terra quando se depara com o crime ambiental. O delito, o crime, a esfera penal sempre existiu no ordenamento jurídico como última ratio, última razão, e como tal deve prevalecer. Infelizmente essa premissa assim como outras em matéria jurídica não tem sido respeitada.  Arquemos com as conseqüências desta desobediência legal que se torna legitima. Verdadeira antinomia dentro do próprio corpo legislativo. A positivação do direito qual seja, sua codificação, faz parte da realidade jurídica brasileira, desta realidade não devemos nos afastar.

 

          A existência de códigos, o apanhado legislativo construído sob sólidas bases de princípios, doutrinas, estudos e por fim codificado, positivado, encontra-se ameaçado senão desrespeitado no âmbito do Direito Ambiental. É certo que esta vertente do direito é classificada doutrinariamente como direito difuso, mas sua característica sui generis não deve servir como subterfúgio aos dogmas e à ordem que por tanto tempo conduziram a marcha jurídica de nosso ordenamento.

 

          A ordem conduz ao progresso e o caos ao abismo. O que o Direito procura senão a justiça? O que a sociedade espera do Poder Público, do Estado? Qual o papel do Estado? A sociedade se lembra dele? Desaparecido, escondido, inútil, apagado, vendado e vendido, e indiscutivelmente inerte. Talvez seja por esta razão que a sociedade busque alternativas em pequenas e locais organizações, as chamadas ONG´s, fundações, instituições. Ora vivemos sob um regime democrático onde, segundo a Constituição Federal em seu artigo 1º, assegura o Estado Democrático de Direito. A democracia, onde “demo” significa povo e “cracia” poder, donde se abstrai a conclusão que  todo poder emana do povo, que por sua vez  o exerce através de seus representantes eleitos. O povo através de um contrato social delega seu poder exercido por mandatários eleitos, assim, conforme preleciona Cesare Beccaria em sua grandiosa obra Dos Delitos e das Penas “se cada cidadão tem obrigações a cumprir para com a sociedade, a sociedade tem igualmente obrigações a cumprir para com cada cidadão, pois a natureza de um contrato consiste em obrigar igualmente as duas partes contratantes”. A fim de reger o modo de ser de um Estado é que surge a constituição que é considerada sua lei fundamental.

 

          É na Constituição Federal que encontramos o Estado escondido sob o manto de suas  funções: cobrança de tributos, poder fiscalizatório, jus puniendi, exigir  e obrigar. Sabe-se que a função estatal encontra-se muito além disso.

 

          A própria Constituição Federal desnuda e rasga esse manto e o real papel do Estado surge, através do chamado contrato social idealizado por Rosseau. O Pacto social “onde cada um de nós coloca em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo. Imediatamente, em lugar da pessoa particular de cada contratante, este ato de associação produz um corpo jurídico, coletivo, composto de tantos  membros quantas vozes tiver uma assembléia, o qual recebe deste mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Esta pessoa jurídica pública que se forma assim através da união de todas as outras tinha outrora o nome de Cidade. E hoje tem o de República ou de corpo político, que seus membros chamam de Estado...

 

          O Estado é o contratado e como tal deve agir e existir democraticamente. O poder emana do povo e para o povo, é aí que o Estado encontra o fim de sua existência. Caso contrário adotar-se-ia a anarquia onde haveria a negação do poder e conseqüentemente a instituição de um sistema político social pelo qual a sociedade reger-se-ia sem governo constituído. Diante da ausência da função estatal frente aos problemas sociais é que surge a idéia de desigualdade, pois quem pode mais chora menos.

 

          Parte da sociedade detentora do poder econômico e conseqüentemente do poder político  organiza-se com ou sem a interferência estatal. Mas grande parte da sociedade sucumbe frente ao descaso, do excesso de cobranças, da falta de incentivo, e principalmente diante da ausência da tutela estatal.

 

          O desenvolvimento econômico nacional encontra-se ameaçado. Grandes empresas em geral multinacionais possuem mecanismos capazes de atender à inúmeras legislações, arcar com a carga tributária e muitas vezes assumir o próprio papel do Estado: responsabilidade social.

 

          O Estado obriga, o cidadão cumpre e o Direito desaparece. Ao Estado não cabe a escusa de suas obrigações preceituadas na própria carta magna, assim como o cidadão não pode escusar-se de seus deveres.

 

          Inúmeras são as leis ambientais que impõem obrigações necessárias a conservação do meio ambiente onde o ser humano não é aparte e sim parte, e como tal deve receber a tutela estatal. A Constituição Federal em seu artigo 225 prevê a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, propondo para tal a responsabilidade solidária entre a coletividade e o Poder Público “o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Cabe aqui a indagação: existe a hipossuficiência entre coletividade e Poder Público? A entidade privada encurralada frente a inúmeras cobranças legislativas, tal qual na idade média, onde senhores feudais exigiam parte da produção, tributos... Depois a revolução francesa/burguesa pôs fim a tudo isso abolindo o absolutismo, instalando o liberalismo econômico. A interferência estatal é bem vinda se esta cumprir o papel que lhe foi delegado: tutelar o direito. No entanto o que assistimos é a concepção de um “Direito Ambiental Cobrado”, não há troca, apenas a exigência, princípios da equidade, legalidade, equidade, inexistem. Radicalismo? Realidade!

 

          O Direito Ambiental, quando radicalmente exercido, esquece de um elemento bastante significativo que também faz parte do objeto que este direito protege: o próprio ser humano. O meio ambiente ecologicamente equilibrado inclui em sua essência a visão antropocêntrica do direito ambiental. Ecológico advém do grego “oikos” que significa casa, portanto casa do homem, o que se protege é o meio onde o homem vive, o meio ambiente. O desenvolvimento sustentável é a chave da garantia do avanço econômico/tecnológico/industrial tutelado pela Constituição Federal em seu artigo 170, mais precisamente em parágrafo único e outros que evito citar para não levar o leitor a exaustão, afinal ninguém merece...

 

          Se o Estado existe na Constituição Federal, por favor, apareça de corpo e alma tal qual fora concebido. Sua existência no papel é constante mas ausente no que tange a realidade imposta e exposta, afinal quem se importa com a falência de uma empresa nacional diante do nobre papel de se conservar macaquinhos e florzinhas... O meio ambiente deve ser protegido sem perder de vista o emprego, a alimentação, a vida, a dignidade humana, elementos estes ameaçados de extinção.

 

          Leis que obrigam existem a exaustão, mas leis que protegem, incentivam e abrigam tornam-se cada vez mais escassas. A humanidade não é parte, é o todo.

 

Autora: Rosecler Segura de Campos

Advogada Ambiental  

 

 

 

 

 

 

 

• Sugestão para citar este artigo / Estilo ABNT:

 

O PAPEL DO ESTADO FRENTE À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. In: SEGURA ADVOCACIA. São Paulo, Brasil: Segura Advocacia, 2019. Disponível em: <https://www.seguraadvocacia.com.br/O-Papel-do-Estado-Frente-a-Legislacao-Ambiental/>. Acesso em: dd mmmm AAAA.

 

• Este artigo também foi publicado em:

Editora Tocalino (Atual Expoestratégia) – Revista Meio Ambiente Industrial – edição 62 – julho/agosto/06 – ano XI – pags. 82 e 83.

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